sábado, 8 de maio de 2010

A infinita Fiadeira


'a aranha ateia
diz ao aranho na teia:
o nosso amor está por um fio!'

A aranha,aquela aranha era tão única:
não parava de fazer teias!
Fazia-as de todos os tamanhos e formas.
Havia um contudo,um senão:
ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade.
O bicho repaginava o mundo.
Contudo, sempre inacabava as suas obras.
Ao fio e ao cabo, ela já amalheava
uma porção de teias que só ganhavam senso
no rebrilho das manhãs.
E dia e noite:
dos seus palpos primavam obras,
com beleza de cacimbo gotejando,
rendas e rendilhados.
Tudo sem fim nem finalidade.
Todo bom aracnídeo sabe que a teia
cumpre as fatais funções:
lençol de núpcias, armadilha de caçador.
Todos sabem,menos a nossa aranhinha,
em suas distraiçoeiras funções.
Para a mãe-aranha aquilo não passava
de mau senso.
Para que tanto labor se depois
não se dava a devida aplicação?
Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos.
E alfaiatava,cegava os nós.
Tecia e retecia o fio, entrelaçava e
reentrelaçava mais e mais teia.
Sem nunca fazer morada em nenhuma.
Recusava a utilitária vocação da sua espécie.
-Não faço teias por instinto.
-Então faz porquê?
-Faço por arte.
Benzia-se a mãe, rezava o pai.Mas nem com preces.
A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa.
E em cantos e recantos deixava
sua marca, o engenho de sua seda.(...)
(Fio de Missangas - Mia Couto)

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