deparei com meu vizinho, Jossinaldo.
Estava no patamar, como que me esperando.
Dos braços cruzados, espreitava uma trela.
Me arrepiei.
Sempre eu o tinha evitado, por causa dos
ditos e desditos.
O homem era conhecido pelo que fazia no parque:
levava um peixe a passear pela trela.
(...)No extremo da fita de couro estava
amarrado, pela cauda, um gordo peixe.
(...)E agora lá estava ele,
a tira pendente como uma língua
que emergia do corpo.
Já eu remastigava uns apressados bons dias
quando o vizinho se me interpôs
e esticou o braço na minha direção.
-Peço-lhe este favor!
Estremeci receoso.Que favor?
E era esse mesmo obséquio: o de ir eu
substituí-lo no passeio ao peixe.
Esquivei-me.
O homem não desistiu:
que ele estava se sentindo doente, desvanecente
e o peixe do lago, não podia ficar orfão,
sem ninguém para o conduzir,
na fluência das águas.
-Por amor,não recuse!
Fiquei vacilando enquanto,
dentro de mim, ecoavam os rumores que
descontavam em Jossinaldo e seus descostumes.
No bairro todos acreditavam compreender
o comportamento do exótico morador.
(...)Minha sabedoria é ignorar as minhas
originais certezas.
O que interessa não é a língua materna,
mas aquela que falamosmesmo antes
de nascer.
por isso me dei licença de escutar Jossinaldo.
E fui saindo de casa, caminhando
ao mesmo passo do afamado vizinho,
lado com lado.
Na rua me olhavam,surpresos.
(...)-Vá pegue na trela para ele lhe ganhar familiaridade.
Com o coração de fora, lá segurei na corda.
(...)-Deixe-me despedir dele!
Ajoelhado sobre as águas, o vizinho
falou palavras que não eram de língua nenhuma conhecida.
(...)Sou eu agora quem,
pela luz das tardes,
passeia o peixe no lago.
À mesma hora uma misteriosa força
me impele para cumprir aquela missão,
para além da razão,
por cima de toda vergonha.
E me chegam as palavras do vizinho
Jossinaldo, ciciadas no leito
em que desfalecia:
-Não existe terra, existem mares que estão vazios.
Dentro de mim, vão nascendo palavras
líquidas, num idioma que desconheço e me vai
inundando todo inteiro.
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