sexta-feira, 30 de julho de 2010

Relatividade


°°Dois ou três comprimidos
a mais naquela caixa
e ela não estaria aqui hoje
comemorando seu trigésimo aniversário.
Observando-a daqui, reparo como ela sorri em paz.
Será que ela pensa em desistir agora?
E quem é louco de interromper a felicidade?
A dor sim, queremos conter a todo custo.
Seja com comprimidos, bebidas,
lençóis, projéteis de chumbo.
Todos os dias alguém,
em algum lugar do mundo, contém a sua dor.
Só dois ou três comprimidos a mais, e ela não estaria aqui...
Pergunto-me se à noite,
na solidão de sua companhia,
ela se arrepende,
se dá conta do que teria perdido
caso tivesse a quantia exata na cartela para conter a dor.
Formatura, o nascimento da sobrinha,
a viagem para a Europa, o encontro com seu grande amor,
tudo veio depois... tudo não teria chegado.
Por que nos momentos de desespero
não nos damos conta disso?
Por que não pensamos:
“é só uma fase... vai passar”?
Só dois ou três comprimidos a menos e eis um milagre,
segundo os cálculos do médico plantonista.
E ela parece tão satisfeita com o rumo que a vida tomou.
Ah! Se a gente tivesse mais paciência e menos ansiedade.
Olho para sua mãe.
Ela a encara fascinada, apaixonada
pelo ser que trouxe ao mundo, que deu a vida
que ela teria ceifado não fosse dois ou três comprimidos
a menos quando descobriu a gravidez.
Ainda bem que nossas tentativas são passíveis de falhas.
Observando este salão cheio de vida,
percebo o quando ela é relativa...
num momento de desespero,
por dois ou três comprimidos
a mais ou a menos, podemos pôr tudo a perder
ou ganhar uma segunda chance.
Só alguns gramas para muda tudo:
um destino, uma existência, uma família,
a felicidade do outro, a gente.°°
Sabrina Davanzo

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