
...'Faz tempo, meninos-lobo e outros jovens
criados sem interação humana
despertaram o interesse da
psicologia cognitiva e da linguística.
A razão é que seriam um experimento natural
que permitiria responder a uma pergunta crucial:
esses jovens, sem conhecer palavras,
poderiam pensar como os demais humanos?
A questão em pauta era decidir se pensamos
porque temos palavras
ou se seria possível pensar sem elas.
O interesse pelos meninos-lobo feneceu.
Mas se aprendeu muito desde então,
e hoje não se acredita que o pensamento sem palavras seja possível
– pelo menos, o pensamento simbólico
que é a marca dos seres humanos.
Ou seja, Mogli não seria capaz de pensar.
"Vivemos em um mundo de palavras",
diz o celebrado antropólogo Richard Leakey.
"Nossos pensamentos, o mundo de nossa imaginação,
nossas comunicações e nossa rica cultura
são tecidos nos teares da linguagem...
A linguagem é o nosso meio...
É a linguagem que separa os humanos
do resto da natureza."
Portanto, se pensamos com palavras
e com as conexões entre elas,
a nossa capacidade de usar palavras
tem muito a ver com a nossa capacidade de pensar.
Dito de outra forma, pensar bem é o resultado
de saber lidar com palavras e com a sintaxe
que conecta uma com a outra.
Quem não aprendeu bem a usar palavras
não sabe pensar.
No limite, quem sabe poucas palavras
ou as usa mal tem um pensamento encolhido.
Talvez o veredicto mais brutal sobre o assunto
tenha sido oferecido pelo filósofo Ludwig Wittgenstein:
"Os limites da minha linguagem
são também os limites do meu pensamento".
Simplificando um pouco,
o bem pensar quase que se confunde com a competência
de bem usar as palavras.
Nesse particular não temos dúvidas:
a educação tem muitíssimo a ver com o desenvolvimento
da nossa capacidade de usar a linguagem.
Portanto, o bom ensino tem como alvo número 1
a competência linguística.
Pelos testes do Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Básica (Saeb),
na 4ª série 50% dos brasileiros
são funcionalmente analfabetos.
o nosso processo educativo
deve se preocupar centralmente com as falhas
na capacidade de compreensão
e expressão verbal dos alunos.
Ao estudar a Inconfidência Mineira,
a teoria da evolução das espécies ou os afluentes do Amazonas,
o aprendizado mais importante
se dá no manejo da língua.
É ler com fluência e entender o que está escrito.
É expressar-se por escrito com precisão e elegância.
É transitar na relação rigorosa entre palavras e significados.
No conto, Mogli se ajustou à vida civilizada.
No conto, Mogli se ajustou à vida civilizada.
Infelizmente para nós, Kipling estava cientificamente errado.
Nossa juventude estará mal preparada
para a sociedade civilizada se insistirmos
em uma educação que produz uma competência linguística
pouco melhor do que a de meninos-lobo.'
(trechos do texto Os meninos-lobo de Cláudio de Moura Castro - Revista Veja)
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