sexta-feira, 10 de julho de 2009

Entre uivos


...'Faz tempo, meninos-lobo e outros jovens

criados sem interação humana

despertaram o interesse da

psicologia cognitiva e da linguística.

A razão é que seriam um experimento natural

que permitiria responder a uma pergunta crucial:

esses jovens, sem conhecer palavras,

poderiam pensar como os demais humanos?

A questão em pauta era decidir se pensamos

porque temos palavras

ou se seria possível pensar sem elas.

O interesse pelos meninos-lobo feneceu.

Mas se aprendeu muito desde então,

e hoje não se acredita que o pensamento sem palavras seja possível

– pelo menos, o pensamento simbólico

que é a marca dos seres humanos.

Ou seja, Mogli não seria capaz de pensar.

"Vivemos em um mundo de palavras",

diz o celebrado antropólogo Richard Leakey.

"Nossos pensamentos, o mundo de nossa imaginação,

nossas comunicações e nossa rica cultura

são tecidos nos teares da linguagem...

A linguagem é o nosso meio...

É a linguagem que separa os humanos

do resto da natureza."

Portanto, se pensamos com palavras

e com as conexões entre elas,

a nossa capacidade de usar palavras

tem muito a ver com a nossa capacidade de pensar.

Dito de outra forma, pensar bem é o resultado

de saber lidar com palavras e com a sintaxe

que conecta uma com a outra.

Quem não aprendeu bem a usar palavras

não sabe pensar.

No limite, quem sabe poucas palavras

ou as usa mal tem um pensamento encolhido.

Talvez o veredicto mais brutal sobre o assunto

tenha sido oferecido pelo filósofo Ludwig Wittgenstein:

"Os limites da minha linguagem

são também os limites do meu pensamento".

Simplificando um pouco,

o bem pensar quase que se confunde com a competência

de bem usar as palavras.

Nesse particular não temos dúvidas:

a educação tem muitíssimo a ver com o desenvolvimento

da nossa capacidade de usar a linguagem.

Portanto, o bom ensino tem como alvo número 1

a competência linguística.

Pelos testes do Sistema Nacional

de Avaliação da Educação Básica (Saeb),

na 4ª série 50% dos brasileiros

são funcionalmente analfabetos.

o nosso processo educativo

deve se preocupar centralmente com as falhas

na capacidade de compreensão

e expressão verbal dos alunos.

Ao estudar a Inconfidência Mineira,

a teoria da evolução das espécies ou os afluentes do Amazonas,

o aprendizado mais importante

se dá no manejo da língua.

É ler com fluência e entender o que está escrito.

É expressar-se por escrito com precisão e elegância.

É transitar na relação rigorosa entre palavras e significados.
No conto, Mogli se ajustou à vida civilizada.

Infelizmente para nós, Kipling estava cientificamente errado.

Nossa juventude estará mal preparada

para a sociedade civilizada se insistirmos

em uma educação que produz uma competência linguística

pouco melhor do que a de meninos-lobo.'

(trechos do texto Os meninos-lobo de Cláudio de Moura Castro - Revista Veja)

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