quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Tu sabes, eu sei

De alguma maneira que me escapa, há entre mim e ti sempre um susto, um resvalo, uma momentânea contrariedade à leis, como um salto, uma queda, um tombo, um passo além da borda, um limiar de abismo, um equilíbrio rompido no segundo que antecede ao mergulho, revés de trampolim, avesso do chão, céu em prenúncio, corpo entre a vida e a morte. Há algo ali que se faz em signo, sinal, estigma, marca, distinção que não tem apreensão possível, só experiência e gozo, um pavor e, a um só tempo, êxtase: só alma como a alma deve ser, límpida e trespassada, trêmula e inapreensível carnadura. Há algo - tu sabes, eu sei - impossível de explicar aos que não comungam dos desastres que levamos nas mãos, que não conhecem o perigo de encontrar-se fora de si tão perto e alheio, dentro do corpo de quem nos faz mais nós mesmos. Há algo dos meus olhos para os teus que tece a teia indestrutível e secreta de todas as palavras e que preenche de sentido todas as lacunas em branco. Há algo - tu sabes, eu sei - que viajará conosco pela eternidade em vôo, ou em naufrágio. Toma de mim as asas. Arranca de ti a âncora.

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