quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Todos temos no fundo a mesma tendência, ou seja, de nos revermos nas diferentes etapas da nossa vida como o resultado e o compêndio daquilo que nos aconteceu, daquilo em que tivemos êxito e daquilo que realizámos, como se fosse apenas isso o que conforma a nossa existência.
E esquecemos quase sempre que as pessoas não são apenas isso: cada trajetória compõe-se também das nossas perdas e dos nossos desperdícios, das nossas omissões e dos nossos desejos não cumpridos, daquilo que uma vez deixámos de lado ou não escolhemos ou não alcançámos, das numerosas possibilidades que maioritariamente não chegaram a realizar-se - todas menos uma, afinal -, das nossas hesitações e dos nossos sonhos, dos projetos frustrados e dos desejos falsos ou débeis, dos medos que nos paralisaram, daquilo que abandonamos ou que nos abandonou.
Como pessoas talvez consistamos, em suma, no que somos e no que não fomos, tanto no comprovável, quantificável e registável como no mais incerto, indeciso e difuso, talvez sejamos feitos em igual medida daquilo que fomos e do que poderiamos ter sido.

Javier Marías, in Literatura e Fantasma

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