quinta-feira, 17 de junho de 2010

É a mãe!


-Oi querida. É a sua mãe.
-Mãe, eu tô ocupada agora.
-É coisa rápida.É sobre seu pai.
-Aconteceu alguma coisa com ele?
-Bom...Deve ter acontecido...
-Como assim?!
-Acho que seu pai está morto.
-Morto?!
-Tem uma semana que ele está lá no sofá,
em frente à televisão.
-Ele faz isso desde que se aposentou.
-Mas ele está assistindo o mesmo canal há dias!
Você sabe como seu pai é com o controle remoto:
a gente não consegue assistir nada até o final.
-Por que você não vai lá e fala com ele?
-Falar o que?!
-Pergunta se ele está morto.
-Eu não quero falar com seu pai.
Nós estamos brigados desde o aniversário da sua tia.
-Vocês ainda não fizeram as pazes?!
-Você esqueceu que ele chamou sua tia de sapatão?
-Tia Cotinha mora com uma mulher ,mãe.
-Elas são amigas.
-Elas tem carteirinha do clube do taco!
-Qual é o problema?Mulher não pode gostar de bilhar?
-Eu não vou discutir isso com você.
-O que eu faço? E o meu almoço do Dia das Mães?!
-Eu prometo chegar antes para dar uma espiada nele.
-Mas e se seu pai tiver morrido mesmo?
-Se tiver morrido, nós vamos ter que enterrá-lo.
-Eu não quero passar meu dia num cemitério.
-Você não vai poder botar papai num tupperware
e enterrar ele outro dia.
-Isso é bem coisa do seu pai:
morrer no Dia das Mães só para estragar meu almoço!
-Deixa eu desligar, mãe.
Estou acabando de dar banho nas crianças.
-Promete que chega cedo?
-Se você deixar eu desligar...
-No caminho vê se tem alguma coisa aberta
e compra aquela cerveja que seu pai gosta.
-Mas ele não está morto?!
-Se estiver vivo, ele ainda vai reclamar que
eu esqueci de comprar a cerveja dele!
Cláudio Paiva - Revista O Globo - 09/05/2010

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