quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Contos Sensoriais


Havia um retrato na parede do quarto de Isabel.
Era o retrato de uma velha
— ela me contou —
uma fotografia esquecida pelo antigo morador da casa
que acabara de alugar.
Era o retrato de uma velha,
uma imagem envelhecida também.
No olhar da velha, sua velhice inteira,
disse-me Isabel.
Não que houvesse ali sabedoria ou experiência,
“essas coisas que queremos ver nos velhos,
porque queremos ver em nós mesmos”.
Não, em seu olhar havia apenas velhice:
nenhuma transparência, opacidade pura.
Isso tudo me contou Isabel,
porque eu já não podia ver.
E me contou também que aquela velha
era um pouco ela própria.
Como? — perguntei-lhe.
Isabel ficou em silêncio.
Insisti em tom mais alto,
imaginando que ela não tivesse me ouvido.
Novo silêncio.
Isabel olhava-me fixamente.
Isso eu não podia ver, mas sabia.
Isabel tinha os olhos marejados.
Isso eu não podia ver,
mas sentia em minhas mãos,
entendendo que me restava também o silêncio.
O retrato da velha na parede nos contemplava vazio.
Isabel não chegou a chorar,
porque não queria que as lágrimas
limpassem seu olhar do silêncio mais fundo.
Isabel queria o vazio também,
um vazio que a aproximasse da velha na parede;
um vazio que a aproximasse de mim.