sexta-feira, 30 de novembro de 2007

"Sentou-se diante do papel vazio e escreveu:
comer
olhar as frutas da feira
ver cara de gente
ter amor
ter ódio
ter o que não se sabe e sentir um sofrimento intolerável
esperar o amado com impaciência
mar
entrar no mar
comprar um maiô novo
fazer café
olhar os objetos
ouvir música
mãos dadas
irritação
ter razão
não ter razão e sucumbir ao outro que reivindica
ser perdoada da vaidade de viver
ser mulher
dignificar-se
rir do absurdo de minha condição
não ter escolha
ter escolha
adormecer
mas de amor de corpo não falarei.
Depois dessa lista ela continuava a não saber quem ela era, mas sabia o número indefinido de coisas que podia fazer.
E sabia que era uma feroz entre os ferozes seres humanos, nós, os macacos de nós mesmos. Nunca atingiríamos em nós o ser humano.
E quem atingia era com justiça santificado.
Porque desistir da ferocidade era um sacrifício."
(Clarice Lispector)