terça-feira, 27 de novembro de 2007

Necessidade de ser injusto

Todos os juízos sobre o valor da vida se desenvolvem ilogicamente, e portanto são injustos.
A inexatidão do juízo está primeiramente no modo como se apresenta o material, isto é, muito incompleto, em segundo lugar no modo como se chega à soma a partir dele, e em terceiro lugar no fato de que cada pedaço do material também resulta de um conhecimento inexato, e isto com absoluta necessidade. Por exemplo, nenhuma experiência relativa a alguém, ainda que ele esteja muito próximo de nós, pode ser completa a ponto de termos um direito lógico a uma avaliação total dessa pessoa; todas as avaliações são precipitadas e têm que sê-lo. Por fim, a medida com que medimos nosso próprio ser, não é uma gandeza imutável, temos disposições e oscilações, e no entanto teríamos de conhecer a nós mesmos como uma medida fixa, a fim de avaliar com justiça a relação de qualquer coisa conosco. A consequência disso tudo seria, talvez, que de modo algum deveríamos julgar; mas se ao menos pudéssemos viver sem avaliar, sem ter aversão e inclinação! - pois toda aversão está ligada a uma avaliação, e igualmente toda inclinação. Um impulso em direção ou para longe de algo, sem o sentimento de querer o que é proveitoso ou se esquivar do que é nocivo, um impulso sem uma espécie de avaliação cognitiva sobre o valor do objetivo, não existe o homem.
De antemão somos seres ilógicos e por isso injustos, e capazes de reconhecer isto: eis uma das maiores e mais insolúveis desarmonias da existência.
(Humano Demasiadamente Humano - Nietzsche)