quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sempre assim


"Desejava uma boneca e quando
a ganhava ficava contente por pouco tempo,
logo desejava outra coisa.(...)
O desejo satisfeito não lhe trazia sossego,
sentia sempre, estar faltando alguma coisa.
Olhares compridos de menina triste
foram deixando marcas no rosto bonito.
O olho ficou um pouco caidinho,
parecia ter uma lágrima pendurada,
pronta a se derramar.
O canto da boca também começou a ficar
viradinho, muito pouco,mas viradinho para baixo.
Essa expressão não a enfeava,
pelo contrário,
fazia com que as pessoas se enternecessem,
tentassem satisfazê-la.(...)
Seu ar um pouco triste,
levemente desencantado,
parecia exercer fascínio nos homens.
Virou mulher bonita, rodeada de
mistério e silêncio.
Gestos econômicos, olhar de nostalgia
que procurava alguma coisa.
Casou-se com um homem mais velho
que se encantou com tamanho enigma.
Ela começou a sorrir,
a boca se abria em expressão larga de satisfação,
mostrava os dentes brancos
que traziam luz para seu rosto.
A voz encorpou em contralto profundo.
Sentia-se satisfeita, repleta finalmente.
Ganhou mais corpo, a pele mais viço.
(...)E algo começou a se delinear.
Pouco a pouco.
No início não se deu conta.
Apenas reparou que o riso aberto e sonoro da mulher
causava-lhe irritação,
que seu corpo desejoso o enfastiava.(...)
A satisfação dela, sua voz de contralto,
lhe causava desinteresse, certa repulsa.
Ela sentiu que algo faltava.(...)
A lágrima pendurada instalou-se no olho
novamente,a boca voltou a se desenhar
no choro quase imperceptível.
Tudo muito sutil.
Essa expressão não a enfeava,
pelo contrário.
Ficou mais interessante,
retomou o ar de mistério
que tinha perdido.
E também o silêncio.
Os gestos comedidos.
O marido apaixonou-se perdidamente."
Livro:Amores e Tropeços
Crônica:Sempre foi assim,desde pequena
Sylvia Loeb

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