terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Ceder


'Ceder deveria ser riscado
do glossário do casamento.
Ceder nunca é bom,
algo como perder com honra,
não ter conseguido.
Lembra o time que cedeu
o empate no final.
Qualquer torcedor
concordaria comigo
que é frustração.
Estar perto da vitória
aumenta a derrota!
Ceder assemelha à renúncia,
à mutilação!
Não é generosidade,
deixou-se de cumprir
por falta de liberdade ou concordância.
É um otimismo pessimista,
quando acontece algo ruim
e a pessoa se conforma, aliviada,
de que poderia ser pior.
Quem cede no casamento se separa.
Ceder se transforma depois em cobrança,
em ofensa, em mau humor.
Quem cede uma vez exigirá que o par
ceda em seguida.
Ceder é vicioso, uma vingança planejada.
Entra-se no jogo intelectual da retórica,
em que ambos têm razão e pouca alegria.
Ceder é esforço, não é inspiração.
Cede-se para calar, não para ouvir.
Ao ceder, é feito caridade, sacrifício.
É a negação da vontade.
Ofende-se a crença com o abandono:
engolir a seco a fé,
cuspir a fé como gripe.
Ceder não oferece compreensão,
mas evidencia uma guerra silenciosa,
autoritária, de persuasão e posse.
Ceder afirma a dependência pelos defeitos.
É uma carência resignada.
Na relação,
parece que é consenso
alguém abdicar de sua felicidade
em nome da felicidade do outro.
É como se a casa não permitisse
duas felicidades.
Tem que ser uma de cada vez.
Por quê?
Elas não podem se completar?
Não podem coexistir?
Fazer a vontade de quem se ama
não é uma prova de amor.
Em primeiro lugar,
amor não depende de provas.
Amor não é castigo,
a ponto de exigir a anulação de identidades.
Que a oposição permaneça dentro de casa,
que é melhor do que ceder.
Quem cede não muda de opinião,
apenas concordou provisoriamente
para discordar em seguida.
Ceder é o primeiro sinal
do cinismo na convivência.
Cinismo consiste
em falar o contrário do que se diz,
omitir o pensamento.
Não conheço verdade que não tenha nascido
de alguma discordância.
Ceder é alienação,
não esperar mais nenhuma reação de entendimento.
Privar-se da possibilidade de ser acompanhado.
Mentir que não tem importância.
Encerrar a conversa para não se incomodar.
Resume o egoísmo das duas partes
em apagar as diferenças.'

Carpinejar

Nenhum comentário: