quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Pensamento Único



A calabresa está com os dias contados.

É a próxima vítima na cruzada puritana que assola o Globo.

Quando a última bituca for apagada

no fundo do derradeiro copo de chope, pode anotar:

eles virão atrás da lingüiça.

A caçada, na verdade, já começou.

Ontem à noite, num bar,

uma garota em minha mesa resolveu desafiar o espírito do tempo

e pedir ao garçom, sob olhares atônitos dos outros comensais,

um sanduíche de calabresa.

O resto da turma a olhou, incrédulo.

Diante de suflês de abobrinha,

saladas verdes e outros corolários anódinos do auto-controle,

pareciam dizer, cheios de orgulho e inveja:

você não sabe que não se pede mais esse tipo de coisa?!

Por enquanto, a repressão é apenas cultural,

mas é assim que começa.

Em breve os carnívoros começarão

a ser hostilizados em restaurantes.

Depois, quem sabe, serão obrigados a usar estrelas vermelhas

costuradas à roupa.

Daí para os cercarem em guetos e

você-sabe-bem-como-essa-história-termina é apenas um passo.

A moda agora é das comidas funcionais.

Suco de berinjela,

salada de alfafa,

meia uva com três grãos de gergelim...

Tudo pelo bom funcionamento do sistema digestivo,

como se fôssemos meras máquinas a serem reguladas.

Daqui a pouco o garçom vai perguntar, enquanto toma nosso pedido:

“quer que dê uma olhada no óleo e na água?”

Podem dizer que é para o nosso próprio bem.

Que a gordura mata e o agrião salva.

Amém.

Acredito, no entanto, que a opção preferencial pelas fibras

nada tem a ver com a saúde do corpo mas, sim, com uma doença da alma:

o sabor está ficando démodé.

Há uma espécie de ascetismo religioso nessa austeridade dietética.

Um júbilo penitente pelo auto-controle.

Segundo o novo moralismo alimentar,

os gordos são preguiçosos,

os carnívoros são lascivos e quem pede uma calabresa,

de noite,

na frente dos outros,

só pode estar completamente fora de sintonia com a própria época.

A questão é séria e requer uma atitude.

Glutões de todo o mundo,

discípulos de Baco,

cultores do bom,

do belo

e do supérfluo, uni-vos:

o prazer subiu no telhado.

Ponham as carnes na grelha,

aumentem o som,

abram um vinho,

reajam! Antes que seja tarde

e o mundo se transforme numa barra de cereal.

Light.

(Blog do Antonio Prata)

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