quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Cafuné...


Educador popular, antropólogo e folclorista,

Tião Rocha fundou o Centro Popular

de Cultura e Desenvolvimento (CPCD)

por indignação e teimosia.

Essa ONG foi parida em 1984, em Belo Horizonte,

em meio à miséria, à dor, ao abandono e à esperança.

Na ocasião, Rocha começou se perguntando s

e era possível fazer educação embaixo de pé de manga.

Não só foi possível como ele e sua equipe

transformaram cafuné, abraço e sabão em pedagogia

e políticas públicas.

Os projetos do CPCD estão

em mais de 20 cidades brasileiras

e em três países

(Angola, Moçambique e Guiné-Bissau).

Como você diferencia educação de escolarização?

Escola é meio.

Educação é fim.

Há escolas muito bem equipadas

que têm uma educação medíocre

do ponto de vista

da formação dos seres humanos.

A gente observa, nos grandes centros,

escolas bem montadas,

mas que parecem uma cadeia,

cercadas de grades,

cheias de câmeras para policiar.

Comprovamos há 25 anos

que é possível fazer educação

de boa qualidade debaixo de pé de manga,

recuperando o sentido da educação

como prática humana.

Trabalho no interior de Minas Gerais,

onde as pessoas vivem em condições subumanas

e aonde a tecnologia ainda não chegou.

O fato de passar um canal lá de televisão

não significa que houve mudanças efetivas.

Houve informação, mas não transformação em conhecimento.

Vocês usam a pedagogia da roda. Como ela funciona?

A roda é um lugar da ação e da reflexão,

do ouvir e do aprender com o outro.

Todos são educadores,

porque estão preocupados

com a aprendizagem.

É uma construção coletiva.

Na roda você constrói consensos.

Porque todo processo eletivo

é um processo de exclusão,

e tudo que exclui não é educativo.

Uma escola que seleciona não educa,

porque excluiu alguns.

A melhor pedagogia é aquela

que leva todos os meninos a aprenderem.

E todos podem aprender,

só que cada um no seu ritmo,

não podemos uniformizar.

Nos seus projetos também foi adotada a pedagogia do brinquedo.

De que se trata?

A pedagogia do brinquedo veio responder

a uma pergunta:

será possível ter uma escola formal boa e prazerosa?

Será que os meninos podem aprender brincando,

ou a escola tem que ser um serviço militar aos 7 anos?

É a idéia de transformar o brinquedo

em instrumento de aprendizagem.

Percebemos que eles podem aprender tudo,

desde se alfabetizar até história, física, química,

matemática, e também cidadania,

ética, solidariedade, sexualidade.

Você fala em pedagogia do abraço.

Como funciona?

A pedagogia do abraço é uma forma de trabalhar

com grupos marginalizados,

não por carências nem pelo IDH,

mas pelas potencialidades.

Trabalhamos com o IPDH:

Índice de Potencial de Desenvolvimento Humano.

Começamos a falar em cafuné pedagógico.

Só sabe que é bom cafuné aquele

que já o recebeu uma vez na vida.

Então tivemos que fazer cafuné pedagógico,

que é possibilitar que o outro invista

no lado luminoso dele,

capaz de surpreender e de gerar.

Isso também começou em uma brincadeira

com meninos na periferia.

A minha brincadeira era dizer:

só vou dar um abraço apertado, daqueles

de quebrar costela, se você estiver com o cabelo penteado,

ou de batom, cheirosa.

Senão, comigo vai ser distância,

na ponta do dedinho.

Um jogo. Só que isso fez com que a meninada

levasse a sério. Nós percebemos

na comunidade e na escola a demanda dessas pessoas

que querem ser cuidadas,

que querem se gostar.

Percebemos que o afeto, o abraço,

o cafuné pedagógico favoreciam as pessoas

a sentir mais orgulho de si.

E as ajudavam a sair da linha de baixo,

do desprezo, para a de cima, da auto-estima.

É difícil convencer os governos a investir nesses projetos?

É difícil demais.

Imagine que a maioria dos órgãos públicos

trabalha com rubricas financeiras

e não em cima de plataformas, bandeiras e causas.

A educação é transformada em números.

A escola, que foi o aparelho ideológico

do estado na época da ditadura,

virou aparelho ideológico do mercado.

Você tem que formar gente para atender à demanda do mercado.

Há escolas em que o importante é formar,

empurrar para a frente,

não importa o tanto de alunos que deixou para trás.

Isso retira o poder de pessoas.

São jogos políticos, não de solidariedade.

O grande problema da escola atual

é que é cômodo ficar dentro de uma forma

que existe há 500 anos.

Ela ainda trabalha com conteúdos

absolutamente equivocados.

Os meninos têm que passar por sessões de tortura,

com informações sem a mínima importância.

Perde-se um tempo danado.


Conheça mais sobre o trabalho de Tião Rocha

no Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento:

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