quinta-feira, 28 de maio de 2009

Amor e Morte


Somos todos imortais.
Teoricamente imortais, claro.
Hipocritamente imortais.
Porque nunca consideramos a morte
como uma possibilidade cotidiana,
feito perder a hora no trabalho
ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo.
Na nossa cabeça, a morte não acontece
como pode acontecer de eu discar um número telefônico e,
ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado.
A morte, fantasticamente,
deveria ser precedida de certo ‘clima’,
certa ‘preparação’.
Certa ‘grandeza’.
Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho)
tão abalado quando,
sem nenhuma preparação,
ela acontece de repente.
E então o espanto e o desamparo,
a incompreensão também,
invadem a suposta ordem inabalável do arrumado
(e por isso mesmo ‘eterno’)
cotidiano.
A morte de alguém conhecido e/ou amado
estupra essa precária arrumação,
essa falsa eternidade.
A morte e o amor.
Porque o amor, como a morte, também existe
– e da mesma forma, dissimulada.
Por trás, inaparente.
Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte
– pois o amor também é uma espécie de morte
(a morte da solidão, a morte do ego trancado,
indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável)
– nos desarma.
O acontecer do amor e da morte
desmascaram nossa patética fragilidade.
Caio Fernando Abreu
(retirado do Blog Entre Aspas)

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