quarta-feira, 9 de abril de 2008

Distimia

Mau humor crônico é doença e exige tratamento
KARINA KLINGER free-lance para a Folha

Mau humor pode ser doença --e grave!
Um transtorno mental que se manifesta por meio de uma rabugice que parece eterna.
Lembra muito o estado de espírito do Hardy Har Har,
a hiena de desenho animado famosa por viver resmungando
"Oh dia, oh céu, oh vida, oh azar".
Distimia é o nome dessa doença.
Reconhecida pela medicina nos anos 80,
é uma forma crônica de depressão, com sintomas mais leves.
"Enquanto a pessoa com depressão grave fica paralisada,
quem tem distimia continua tocando a vida, mas está sempre reclamando",
diz o psiquiatra Márcio Bernik,
coordenador do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas (HC).
O distímico só enxerga o lado negativo do mundo e não sente prazer em nada.
A diferença entre ele e o resto dos mal-humorados é que
os últimos reclamam de um problema, mas param diante da resolução.
O distímico reclama até se ganha na loteria.
"Não fica feliz, porque começa a pensar em coisas negativas, como ser alvo de assalto ou de seqüestro",
diz o psiquiatra Antônio Egídio Nardi,
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Se você conhece alguém assim,
abra os olhos da pessoa, porque raramente o distímico pede ajuda.
"Para a maioria dos pacientes,
o mau humor constante é um traço de sua personalidade.
A desculpa pela rabugice recai sempre no ambiente ao seu redor,
o que inclui o tempo, o chefe ou a sogra, por exemplo", diz Nardi.
Esse transtorno mental atinge, pelo menos, 180 milhões de pessoas no mundo,
que, quando não tratadas, tendem a se isolar.
A doença não deve ser subestimada,
pois o portador corre um risco 30% maior
de desenvolver quadros depressivos graves.
"Sem contar que também pode levar as pessoas ao consumo de álcool
ou outras drogas, pois elas se iludem
achando que assim acabam com a irritação", alerta Nardi.
O mal do humor é herdado e, em geral, manifesta-se na adolescência,
desencadeado por um acontecimento marcante.
Porém, como essa fase da vida já é,
de modo geral, conturbada, há dificuldade de identificar a doença.
Aliás, quem tem distimia costuma procurar ajuda
só quando ela já evoluiu para um quadro depressivo grave.
"O desconhecimento prevalece nos primeiros anos.
Essas pessoas aprendem a funcionar irritadas.
Acham que, por ser um traço de personalidade, o problema é imutável.
"Poucos sabem que a distimia pode ser tratada
com a ajuda de medicamentos antidepressivos
associados à terapia, cuja base é a psicologia cognitiva",
diz o psiquiatra José Alberto Del Porto, da Unifesp.
Segundo a psicóloga Mariângela Gentil Savoia, que atende distímicos no HC,
a terapia leva o paciente a vivenciar suas aflições.
"O objetivo é ensinar uma nova forma de pensamento.
Se ele não suporta sair de casa, sintoma comum na distimia, forçamos os passeios.
A idéia é que ele aprenda a sentir prazer novamente", diz Savoia.
Já as causas, como ocorre na depressão,
estão em um possível desequilíbrio químico
que envolve uma série de neurotransmissores
em regiões do cérebro que comandam o humor,
como o sistema límbico, o hipotálamo e o lobo frontal.
"Daí a eficácia dos antidepressivos,
cuja função é restabelecer esse equilíbrio químico",
diz o psiquiatra Diogo Lara, da PUC-RS.
Para certificar-se de que a rabugice é mesmo patológica,
os sintomas devem persistir por, no mínimo, dois anos.
E, se o mau humor patológico tem remédio, o mau humor "natural" também.
Vários fatores interferem no humor.
O cheiro, por exemplo, que é capaz de abrir o sorriso no rosto de um trombudo.
E mais: ao contrário do que se pensa, o humor melhora com a idade!