segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Em total sintonia com Veríssimo


Incrível como no mesmo dia da publicação dessa crônica
estava divagando sobre esse tema enquanto percorria a Rua São Clemente.
Não usei a poesia do querido autor, mas o ponto de vista foi idêntico.

Nossa missão 
LUIS FERNANDO VERISSIMO-O GLOBO - 22/09

'Você e eu ficamos aí especulando sobre o que a vida
quer de nós, e só o que a vida quer é continuar'
Você e eu estamos na Terra para nos reproduzirmos.
Nossa missão é transmitir os nossos genes,
 multiplicar a nossa espécie e dar o fora.
Tudo o mais que fazemos,
tudo a mais que nos acontece,
ou é decorrência ou é passatempo.
O que vem antes e depois dos nossos anos férteis
 é só o prólogo e o epílogo.
Se a Natureza quisesse otimizar seus métodos
já nasceríamos púberes e morreríamos assim que nossos filhos,
que também nasceriam púberes,
pudessem criar seus filhos (púberes)
sem a ajuda dos avós.
Daria, no total, aí uns 35, 40 anos de vida, e adeus.
O que resolveria a questão demográfica do planeta e,
claro, os problemas da Previdência.
Mas a Natureza nos dá o resto da vida
— a infância e a velhice
e todos os prazeres extrarreprodutivos do mundo,
inclusive os sexuais — como brinde.
Como um chaveiro, um agradecimento pela nossa colaboração.
A laranjeira não existe para dar laranja,
existe para produzir e espalhar sua própria semente.
A fruta não é o objetivo da planta frutífera,
 é o que ela usa para carregar suas sementes, é o seu estratagema.
Agradecer à laranjeira pela laranja é não entendê-la.
Ela não sabe do que nós estamos falando.
Suco? Doçura? Vitamina C? Eu?!
Você e eu ficamos aí especulando sobre o que a vida quer de nós,
e só o que a vida quer é continuar.
Seja em nós e na nossa prole,
seja na minhoca e na sua.
Nossa missão, nossa explicação,
é a mesma do rinoceronte e da anêmona.
Estamos aqui para fazer outros iguais a nós.
Isto que chamamos, carinhosamente, de “eu”,
com suas peculiaridades e sua biografia única,
 não é mais do que uma laranja personalizada.
Um estratagema da Natureza,
a polpa com que a Natureza protege a nossa semente
e assegura a continuação da vida.
Enfim, um grande mal-entendido.
E os que passam pelo mundo sem se reproduzir?
São caronas.
Mas ganham o brinde da vida assim mesmo.

A Natureza não discrimina.

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