domingo, 24 de fevereiro de 2008

"– Ulisses, não encontro uma resposta quando me pergunto quem sou eu. (...)
– Isso não se responde, Lóri.
Não se faça de tão forte perguntando a pior pergunta.
Eu mesmo ainda não posso perguntar quem sou eu sem ficar perdido.
E sua voz soara como a de um perdido.
Lóri assustou-se.
Não, não, ela não estava perdida, ela ia mesmo fazer uma lista das coisas que podia fazer!
Sentou-se diante do papel e escreveu: comer – olhar as frutas da feira – ver cara de gente – ter amor – ter ódio – ter o que não se sabe e sentir um sofrimento intolerável – esperar o amado com impaciência – mar – entrar no mar – comprar um maiô novo – fazer café – olhar os objetos – ouvir música – mãos dadas – irritação – ter razão – não ter razão e sucumbir ao outro que reivindica – ser perdoada da vaidade de viver – ser mulher – dignificar-se – rir do absurdo da minha condição – não ter escolha – ter escolha – adormecer – mas de amor de corpo não falarei. Depois dessa lista ela continuava a não saber quem ela era, mas sabia o número indefinido de coisas que podia fazer."
Clarice Lispector