
A calabresa está com os dias contados.
É a próxima vítima na cruzada puritana que assola o Globo.
Quando a última bituca for apagada
no fundo do derradeiro copo de chope, pode anotar:
eles virão atrás da lingüiça.
A caçada, na verdade, já começou.
Ontem à noite, num bar,
uma garota em minha mesa resolveu desafiar o espírito do tempo
e pedir ao garçom, sob olhares atônitos dos outros comensais,
um sanduíche de calabresa.
O resto da turma a olhou, incrédulo.
Diante de suflês de abobrinha,
saladas verdes e outros corolários anódinos do auto-controle,
pareciam dizer, cheios de orgulho e inveja:
você não sabe que não se pede mais esse tipo de coisa?!
Por enquanto, a repressão é apenas cultural,
mas é assim que começa.
Em breve os carnívoros começarão
a ser hostilizados em restaurantes.
Depois, quem sabe, serão obrigados a usar estrelas vermelhas
costuradas à roupa.
Daí para os cercarem em guetos e
você-sabe-bem-como-essa-história-termina é apenas um passo.
A moda agora é das comidas funcionais.
Suco de berinjela,
salada de alfafa,
meia uva com três grãos de gergelim...
Tudo pelo bom funcionamento do sistema digestivo,
como se fôssemos meras máquinas a serem reguladas.
Daqui a pouco o garçom vai perguntar, enquanto toma nosso pedido:
“quer que dê uma olhada no óleo e na água?”
Podem dizer que é para o nosso próprio bem.
Que a gordura mata e o agrião salva.
Amém.
Acredito, no entanto, que a opção preferencial pelas fibras
nada tem a ver com a saúde do corpo mas, sim, com uma doença da alma:
o sabor está ficando démodé.
Há uma espécie de ascetismo religioso nessa austeridade dietética.
Um júbilo penitente pelo auto-controle.
Segundo o novo moralismo alimentar,
os gordos são preguiçosos,
os carnívoros são lascivos e quem pede uma calabresa,
de noite,
na frente dos outros,
só pode estar completamente fora de sintonia com a própria época.
A questão é séria e requer uma atitude.
Glutões de todo o mundo,
discípulos de Baco,
cultores do bom,
do belo
e do supérfluo, uni-vos:
o prazer subiu no telhado.
Ponham as carnes na grelha,
aumentem o som,
abram um vinho,
reajam! Antes que seja tarde
e o mundo se transforme numa barra de cereal.
Light.
(Blog do Antonio Prata)
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