
Ai, que saudades da Amélia
(Ataulfo Alves e Mário Lago)
"Nunca vi fazer tanta exigência
"Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Nem vê que eu sou um pobre rapaz
Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo o que você vê, você quer
Ai, meu Deus, que saudade da Amélia
Aquilo sim é que era mulher
Às vezes passava fome ao meu lado
Às vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
Quando me via contrariadoDizia:
"Meu filho, o que se há de fazer!"
Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade."
Desde o lançamento da música “Ai, que saudades da Amélia”,
de Ataulfo Alves e Mário Lago, pelos idos de 1942,
a figura Amélia passou a representar,
para a maioria dos brasileiros, mulher subserviente.
O nome passou a ser verbete de dicionário, sendo citado no Houaiss
e Aurélio, como sinônimo de "mulher amorosa, passiva e serviçal".
Você faz parte dessa maioria?
Grande engano.
Amélia existiu sim e foi descoberta pela revista
"O Cruzeiro".
Era uma lavadeira da família de Aracy de Almeida.
Amélia era uma mulher do subúrbio do Rio de Janeiro,
que sustentava sozinha nove filhos;
talvez por isso não tinha tempo para vaidades.
Bom. Agora já sabemos que Amélia existiu e foi uma mulher de luta.
Passemos agora a analisar a letra.
De onde foi que tiraram todo esse preconceito contra a pobre Amélia?
A música, na verdade, só faz uma reclamação a uma mulher
que não sabe ser companheira, que só faz exigências a um “pobre rapaz”,
só pensava em ser vaidosa, ou seja, não somava, só subtraia.
A vaidade, na letra, foi um detalhe observado em Amélia, a lavadeira.
Afinal, como poderia ter vaidade aquela mulher?
Quando a música surgiu, em 1942,
a mulher era uma figura voltada para as atividades do lar,
vaidade, naquela época era só para as mulheres de classe mais abastada.
Os tempos passaram, as mulheres mudaram.
Uma resolveu arrancar o sutiã e gritar independência.
Os homens assustaram, deixaram de proteger
porque muitas não queriam e ainda não querem ser protegidas.
As mulheres foram à luta e se dividiram em dois times:
as feministas e as Amélias pós-modernas.
Não vamos entrar na questão do feminismo,
acho isso muito machista.
Mas, que negócio é este de Amélia pós-moderna?
É aquela figura, que mesmo com toda a transformação social,
que têm emprego, com dupla, tripla jornada ou não,
não abriu mão da dedicação ao marido ou companheiro,
não perdeu a ternura, o afeto.
Temos ainda aquelas que preferiram não ir para o mercado de trabalho,
mas dedicar às coisas do lar, ir ao supermercado, cuidar dos filhos,
receber o marido ao anoitecer, partilhar, somar e multiplicar.
Dedicar não é subserviência, é afeição.
Não importa se a Amélia é aviadora, professora, frentista,
diarista, taxista, se ela é do lar, ou se preferiu secretariar.
O que importa é ser Amélia e,
ser Amélia não é estar na frente ou atrás,
mas ao lado, e não perder a feminilidade, doçura e a ternura.
Estou longe de ser perfeita, mas metade mim é Amélia,
a outra metade também.